Com muito amor e alegria, nós, Vanessa Miranda e Rejane Maria Bohnert, assumimos a tarefa de promover no Brasil a causa para a Canonização de Chiquitunga. Entre em contato conosco para pedir maiores informações, enviar o seu testemunho ou manifestar o desejo de colaborar conosco para juntos trabalharmos na divulgação da vida desta mulher que tanto amou.
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Fragmentos dos Diários Íntimos:

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

A MISERICÓRDIA EM CHIQUITUNGA

Embora quase, se não totalmente inexistente nos escritos de Chiquitunga o sacramento da reconciliação, a vida de Chiquitunga é uma vida oferente em misericórdia e de misericórdia. Quem nos dá a chave para entender, abrir e entrar pela porta desta vida oferente em misericórdia é o Pe. César Alonso Las Heras. Ele quis escrever uma biografia de Chiquitunga intitulada: “A NOIVA ETERNA QUE MORREU DE AMOR”, mas partiu antes de escrevê-la. Mas, pode ser que já tenha surgido a interrogação: “O que tem este título haver com a misericórdia? A seguir veremos que tem tudo haver. A vida de Chiquitunga foi uma entrega em amor “nupcial”, como diz Frei Júlio Félix Barco, carmelita. "Ela se enamora de Jesus desde criança, e na juventude, aos 16 anos quando se dá conta do dinamismo de sua feminilidade, orienta-a totalmente para Jesus e faz de seu ser “uma oferenda ao ‘Amado’”, e sintetiza tudo isto no seu lema com que se tornou conhecida: “Tudo te oferto, Senhor!”
Misericórdia é uma palavra que vem do latim e significa “dar o coração aos miseráveis”. A vida de Chiquitunga é uma entrega em amor “nupcial”, uma entrega Àquele que é o Rosto da Misericórdia do Pai, Jesus Cristo. Chiquitunga faz de toda sua vida, de todo seu ser de mulher o movimento que está inerente na misericórdia: “dá o seu coração a Jesus e nele aos irmãos”; e, no coração, símbolo da entrega no amor: oferece, entrega, doa tudo; cada pulsar, cada respirar, todas suas forças até o esgotamento de tudo, como ela mesma nos diz: “Todo meu afã está em trabalhar até cair rendida, (como em algumas noites), até esgotar as forças pela Glória de Deus e a salvação das almas!"

Chiquitunga vive sua entrega oferente em misericórdia “nos mais diferentes aspectos de sua vida familiar, social, laboral, apostólica, mística; na sua casa, na Normal de Magistério, no trabalho da escola, no apostolado com as crianças, os jovens, os encarcerados, os enfermos e idosos...; recolhida junto ao Sacrário, na oração noturna de intimidade com o Senhor. Em toda parte vivia seu lema que resume a resposta do crente ao Deus Amor que nos deu tudo em seu Filho: ‘Tudo te oferto, Senhor!’, como ‘um sacrifício vivo, santo, agradável a Deus’”(Fr. Júlio). Podemos ver como Chiquitunga viveu todas as catorze obras de misericórdia, as corporais e espirituais; cuidou das pessoas em sua integridade e totalidade: deu de comer aos famintos, deu de beber aos que tinham sede, vestiu os nus, acolheu os estrangeiros, visitou os enfermos e encarcerados, sepultou os mortos (obras corporais), aconselhou os duvidosos, ensinou os ignorantes, admoestou os pecadores, consolou os aflitos, perdoou as ofensas, suportou com paciência as injustiças e rezou a Deus pelos vivos e pelos mortos (obras espirituais). Exemplo disso é o que nos conta a seguir: “Que a pouca sede que possamos sentir às vezes, sirva para saciar a sede deles, que a pouca fome que possamos sentir, nos faça lembrar deles e elevar as nossas orações e sacrifícios por estes irmãos... Maria Imaculada proteja-os, vele por eles e a cada um de nós faça cada vez mais, fiéis seguidores do seu Filho”.

Quem não se comove diante da leitura no livro do episódio de sua infância só conhecido na vida dos santos? “Certa vez -no-lo conta a mãe- o senhor Ramão presenteou a Maria Felícia e a sua irmãzinha caçula (“Manhica”) dois “abrigozinhos” muito lindos, que estrearam num dia de muito frio. Maria Felícia voltou do Colégio tremendo de frio. O que aconteceu? Naquele dia encontrou-se com outra menina que tremia de frio e sem pensar duas vezes, Maria Felícia despojou-se da capa e cobriu com ela sua vizinha acidental... Sua irmãzinha, escandalizada pelo acontecido, acusou-a ante seus pais... Porém as inquisições e ameaças ... nada obtiveram dela. “Mas paizinho, não vês que não tenho frio!”-repetia passando as mãozinhas pelo seu braço desnudo e tiritante-. “Não sinto frio!”(Fr. Júlio).

Em Chiquitunga a misericórdia tem uma fonte de onde ela brota: a Eucaristia, e, não existe Eucaristia sem reconciliação. De sua Primeira Eucaristia que ela denominou: “A primeira união com meu Deus”, nasce seu desejo de ter um coração reconciliado; sinal e símbolo disso é o guarda-pó branco com que continuamente reveste seu corpo de mulher, comovida com a parábola que sua catequista lhes contou. “O guarda-pó branco era símbolo da pureza na qual queria manter seu coração para Jesus. E, além disso, para ser acolhida mais natural e facilmente entre seus queridos pobres, velhinhos e doentes. Vestida de acordo com seu sobrenome Guggiari e, como sobrinha de um presidente da República, teria produzido um distanciamento de seus amigos, os pobres” (Fr. Júlio).
 Ela mesma é quem nos relata isto: “Nunca se apagará da minha mente a lembrança do dia mais feliz de minha vida, o dia da primeira união com meu Deus e o ponto de onde parte minha resolução de ser cada dia melhor”. É o seu ponto de partida conscientemente para a santidade.
Relato claro de sua mansidão e misericórdia é o que nos deixam seus irmãos: “Sendo Maria Felícia a mais velha, poder-se-ia esperar dela dentro da família, atitudes de certa superioridade para ser obedecida pelos outros cinco irmãozinhos. Mas, isto não; bastava-lhe a doçura. ‘Nunca recebemos dela, por nossas travessuras, mais que um olhar de reprovação ou um doce sorriso, ou uma palavra tão suave que mais nos animava a mortificá-la, para ver se perdia o controle..., mas nunca obtínhamos nosso resultado’”.
Sua adesão entusiasta à Ação Católica, e nela sua consagração ao apostolado, consagração radical em virgindade: em alma e corpo, por que estava certa de sua vocação de entrega integral a Jesus e com uma intenção bem concreta: pelos sacerdotes. Ser uma “pequenina Hóstia de Amor e reparação, por eles; porque é necessário que todos sejam santos”. Esta jovem sente e vê em toda sua pureza como Santa Teresinha que os sacerdotes que deveriam ser como anjos, são frágeis criaturas e necessitam da misericórdia oferente de sua frágil vida entregue a Deus no silêncio e abdicação de todos os seus sonhos e desejos. Ela o consumará mais tarde quanto transpassar a porta da clausura do Carmelo.
O Ideal que a atraia era Jesus Cristo, o Jesus dos Evangelhos, a quem ela encontrava na intimidade da oração e no Sacrário. O centro de toda sua vida era a Eucaristia diária. E junto com Jesus, a Santíssima Virgem em seu coração e em suas práticas piedosas: diariamente rezava os quinze mistérios do Rosário.
Chiquitunga vivia e agia como enamorada em todos os aspectos de sua vida.

No apostolado da Ação Católica, colaborando em “todos os ramos..., porque seu ardor traspassava toda fronteira precisa; entregue “às meninas e adolescentes,” “as pequenas”: era comum vê-la saltar e cantar com elas com uma alegria de viver tão admirável como contagiosa; às jovens da Associação de Senhoritas da Ação Católica”, na Escola Normal, pois ali tinha se estabelecido um centro; aos marginalizados, seus preferidos desde quando menina e que o seguiriam sendo sempre.
Em seu idealismo juvenil, chegou a Venerável a sonhar já nesse tempo com as missões entre infiéis. Na família, Chiquitunga vivia feliz, fazedora de paz e conselheira; semeadora de alegria; esquecida de si para dar gosto aos outros. “O ambiente em casa era bonito; uma família bem constituída, unida; ela era o nexo para isso. Todos ponderavam como era acolhedora a família; mas na realidade quem fazia que fosse acolhedor seu lar era Chiquitunga” (Fr. Júlio).
Sua misericórdia é sem limites e não conhece fronteiras, nem de credo, classes sociais, ideologias, políticas. Para ela todos são irmãos que devem ser amados, servidos, orientados, acolhidos, iluminados. Para os adversários políticos, que inclusive lhe impediam o acesso aos estudos do Magistério, Chiquitunga não tinha outra coisa senão perdão; e, para inculcá-lo aos demais, compôs uma canção de pensamento político cristão. “Perdão” e “reconciliação” era o lema:
“Estendei a mão ao vosso adversário,
Vosso adversário tradicional...”(Fr. Júlio).
Seu heroísmo misericordioso chega ao extremo quando sonha com um amor, não para tê-lo para si, mas para renunciá-lo. É célebre a frase que nos deixou sintetizando seu heroísmo misericordioso: “Que bonito seria ter um amor, renunciar a esse amor e juntos imolar-nos ao Senhor pelo Ideal”. Mas quando seu sonho se tornou real, Chiquitunga conheceu o martírio do coração, entra numa terrível noite do espírito, da alma, do corpo e do coração, e está sozinha no rol dos santos com um martírio semelhante, o martírio do coração e consequentemente de todo seu ser, que a levará paulatinamente a entregar tudo numa vida de oferta total de si mesma por todas as pessoas. Este oferta de tudo é o Carmelo. E ora assim a nossa Mãe Maria: “Dai-me, dai-me ó Maria, a graça de que veja e possa, o mais cedo possível, cortando com o que me amarra, romper e ir até Cristo, e abraçar-me só a Ele e Nele viver por meu amado irmão, dia a dia consumindo-me!”.
Enquanto isto ela continua sua ação misericordiosa entre os seus amados: “Além do apostolado organizado na Ação Católica, ao qual Chiquitunga continuou dedicada apaixonada e fielmente, a nível paroquial, diocesano e nacional desgastando-se pelos diferentes setores: meninas, senhoritas, estudantes, jocistas, etc., Maria Felícia tinha o coração aberto ao apostolado pessoal de todos os necessitados material ou espiritualmente: idosos, enfermos, afastados, encarcerados.
Anos intensos, repletos de gestos heróicos e de episódios simpáticos, de conquistas apostólicas e de luta interior. Entre os muitos atos que se poderiam recordar, destacamos um, que testemunha a força apostólica de Chiquitunga e que expressa a amplitude e variedade de sua ação pastoral. Referimo-nos à transformação espiritual ou conversão do poeta anarquista Marcelino Valiente, encarcerado por suas ideias. Ele mesmo relatava como Chiquitunga foi à prisão para visitá-lo e como ele começou a mudar interiormente diante de suas palavras. No poema “Memento” conta agradecido as visitas que a ele, pobre e doente, jazendo em um mísero tugúrio, fazia-lhe a Venerável, levando consolo, esperança e fé. A mudança definitiva se operou quando uma noite vagava ele como um desesperado e se encontrou com Chiquitunga na rua. Essa noite Chiquitunga lhe explicou o que é ser cristão, e isso – disse – deu luz à minha fé, firmou minha fé definitivamente. Essa noite Chiquitunga foi:
“ a ponte sagrada e bendita
que utilizou o Pai, Amor infinito,
para dar-me graça, saúde, fé e amor”
Marcelino Valiente canta sua bravura evangelizadora e a sintetiza assim:
“Chiquitunga!, seu nome de batalha,
terrível, ainda que de diminuta talha;
estudantes e operários admiraram-na...
e os pobres, os presos, os enfermos
tiveram-na também por esses ermos(Fr. Júlio).
E por fim seu amor decide-se pelo sacerdócio: “de manhãzinha, diante de um grupinho de amigos da Ação Católica, Chiquitunga e Sauá davam-se um duplo e forte abraço de despedida, até a eternidade! Arrancou o velho trem. Era a consumação do sacrifício. Não voltariam a ver-se neste mundo” (Fr. Júlio).
Ela segue sedenta de consumar sua entrega em misericórdia: “Tenho sede de seu amor! Uma ânsia estranha de entrega total, de imolação silenciosa e escondida; sofro, por não poder dar-lhe a entender este meu desterro! Cada dia parece-me mais verdadeira minha vocação, e a amo como só Deus pode saber!”.
Ela se sentirá ligada mais fortemente que antes aos sacerdotes, por eles entregará sua vida ao Senhor! Escrevia então: “Dias semelhantes pelos quais estou passando, somente saberão valorizá-los aqueles que tenham passado estes instantes inigualáveis de felicidade, por aquilo de que o ‘primeiro passo’ é o começo ‘do fim’.  Mas, ficavam muitas interrogantes, seguir-se-iam meses de solidão e insegurança, mas um encontro previsto pela misericórdia de nosso Bom Deus, com a Priora do Mosteiro das Carmelitas Descalças recém fundado em Assunção, devolveu a paz e o conforto que ela necessitava. E ela sintetiza toda esta paz numa frase da carmelita que se gravou profundamente em seu coração: “Somente devo preocupar-me de que meu amor se centre de novo todo nele, em Jesus”.
E assim se fez, o movimento da misericórdia triunfou em Chiquitunga. Vemo-la entrar pouco tempo depois no Carmelo e consumar em quatro anos sua entrega em amor nupcial ao Amado de seu coração. Oferente, a espera do Amado, “noiva eterna”, suas núpcias não serão prelibadas na terra, serão consumadas no Céu com o Esposo Divino para quem se preparou servindo na terra em amor oferente, dando na terra seu coração aos “mais pobres, humildes e perdidos” (Tagore).
O seu sorriso e as palavras com que entrou na câmara nupcial são eco do abraço eterno destas núpcias eternas eternamente celebradas no júbilo sem fim da eternidade: “Jesus, te amo! Que doce encontro! Virgem Maria!”